Quênia. Janeiro de 2006. Uma estiagem desoladora e atípica que já se arrasta mortalmente pelo país há inacreditáveis dois anos, vem causando cerca de trinta mortes diárias por fome e inanição. As imagens são perturbadoras e vergonhosas; arrasam qualquer pretensão de festejar o ser humano e sua idolatrada civilização moderna: crianças raquíticas agonizando, conectadas ao mundo por um tênue trapo de vida. Estão ofegantes, respirando como peixes fora d’água respiram quando desistem de se debater. Desidratadas, famélicas, o sistema imunológico em colapso. Tudo arrasta as pobres criaturas para seu fim, sob o olhar já incapaz até de derramar lágrimas de mães e pais, que parecem mais sombras do que gente, tombados pela impotência ante a catástrofe e pela mais absoluta desesperança. Por todo o Quênia, um caleidoscópio macabro de poços secos, de crianças-zumbis, de carcaças mumificadas de animais espalhados por campos mais secos que a lua.
Austrália. Janeiro de 2006. Encabeçadas pelos EUA, corporações privadas e órgãos governamentais da Austrália, China, Coréia do Sul, Índia e Japão promovem a Cúpula Ásia-Pacífico de Mudanças Climáticas. O que é comum a todos os participantes? São nações que se recusaram a aderir ao Protocolo de Kyoto - com exceção do Japão. Juntos, respondem por 48% dos gases poluentes jogados à atmosfera. Juntos, buscam construir um álibi que lhes permita – mais uma vez – enganar a população mundial, ao propor medidas inócuas e paliativas em substituição às metas de redução de emissão de gases proposta em Kyoto. O próprio Protocolo de Kyoto vem sendo insuficiente, dada a velocidade e a intensidade com que as alterações climáticas causadas pelo efeito estufa vem apresentando.
“Supostamente causadas pelo efeito estufa” diria, talvez, o Tio Sam. Já surgiram inúmeros cientistas e pesquisadores (especialmente norte-americanos) que declaram que a temporada inédita de ciclones e catástrofes similares pode ser fruto do “trânsito de Vênus à frente do Sol”.
As corporações que controlam as pessoas que hoje controlam o governo dos Estados Unidos e outros países, seguidamente financiam brilhantes trabalhos científicos que buscam minimizar ou até mesmo negar a realidade sentida no dia a dia das profundas mudanças climáticas que o planeta vem sofrendo. A lógica destes grupos é bem simples: para que houvesse uma redução de emissão de poluentes que realmente tivesse impacto para frear o efeito estufa e a degradação da camada de ozônio, eles precisariam implementar mudanças que, dadas as possibilidades tecnológicas atuais, significariam uma queda brusca nos seus rendimentos, pelo óbvio aumento dos custos de produção. E isso é algo que a elite financeira mundial não pode aceitar jamais.
Isso lembra um pouco aquele velho clichê do cinema hollywoodiano: o sujeito que, mesmo vendo que a caverna vai desabar, volta lá dentro para carregar toda parte do tesouro que puder e assim morre soterrado abraçado ao ouro.
Talvez um dos participantes da cúpula possa, quando estiver retornando para Washington, fazer uma pequena escala em Nairóbi, ao menos para explicar para o pessoal que o culpado de tudo pode ser Vênus, Saturno ou quem sabe a constelação das Plêiades. Tenho certeza de que os quenianos entenderiam.
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